
Conta uma lenda que um mestre de Karatedō em suas andanças numa noite de lua cheia pressentiu no barulho feito pelos galhos secos, ao transpor numa clareira na mata, a presença do mal.
São salteadores armados, em tocaia pensou. Seu instinto guerreiro e defensivo o coloca em Kamae, atitude de luta. Está imóvel, abdômen contraído, punhos cerrados. Atento, olhando para o “nada” e vendo tudo (Zanshin). Altamente concentrado, espírito vivo e aguçado. Preparado para lutar!
Seu repudio pelo mal, seu Karategi intocável, sua honra, seu nome e sua vida, tudo está simbolizado em seu Kamae.
Sua mente visualiza ao longe, num halo de luz, seu velho mestre, que em atitude Zen, isso o inspira. Suas sábias palavras de ensinamento ecoam ainda:
“Antes que lhe toquem a pele, toca-lhe os ossos”.
Inconscientemente coloca-se em Musubi-dachi e faz Yōi, logo curva-se reverente e diz Onegaishimasu, voltando rapidamente a Kamae.
É atacado! Pela esquerda, brilha uma lamina. Coloca-se rapidamente em Neko-ashi-dachi, consciente e veloz bloqueia Chūdan-otoshi-uchi-uke e ataca Chūdan-oi-zuki com Kime na base Han-zen-kutsu-dachi. As suas costas, um segundo oponente ataca com uma lança. Bloqueia firme e forte.
Ele sabe que “deve enfrentar o adversário, mas nunca seu ataque”.
Está na base Zen-kutsu-dachi e defesa Gedan-barai. Recolhe o pé caindo em Han-zen-kutsu-dachi e girando o braço evita outro ataque do adversário, outra vez com Chūdan-otoshi-uchi-uke. Completa com um soco (Chūdan-oi-zuki) seco, na mesma base, tirando toda chance do agressor.
Da esquerda ouve um zumbido. É o terceiro agressor. Como um raio, coloca-se em Zen-kutsu-dachi e realiza um bloqueio Gedan-barai. Quase simultaneamente um bastão corta o ar cobrindo a lua, várias vezes. O inimigo bate recuando de cima para baixo. As defesas agora são Jōdan-age-uke protegendo a cabeça, a fim de partir o braço na altura do cotovelo, continua na base Zen-kutsu-dachi. Nesse golpe o mestre emprega toda sua força e toda sua velocidade. Solta um grito do fundo de suas entranhas; um grito de guerra num berro de morte: “É o Kiai”. Nada o detêm. Há uma transformação total no corpo e no espírito. A mutação de força em poder; de massa em energia, de água em fogo. Estar possuído de Kiai é despertar a arma mortal, o Karatedō. Silêncio na mata. Passa a perplexidade.
É atacado pela diagonal do lado direito. O mestre gira o campo de luta, defende Gedan-barai em Zen-kutsu-dachi e ataca Chūdan-oi-zuki na base Han-zen-kutsu-dachi. O instinto vira-lhe a cabeça quando na outra diagonal o primeiro atacante insiste com a faca. Suas pernas trocam de direção sua base. Rolando seus quadris como um eixo, seus braços tal uma espada – acompanhando o impulso do corpo – descem em diagonal. No momento do contato dos braços, um acréscimo de velocidade e torção desarma o adversário com Gedan-barai. Antes que tente recuar é alcançado com Chūdan-oi-zuki, repetindo a sequencia de bases utilizadas anteriormente.
O terceiro ergue-se a sua esquerda estocando-lhe com um bastão, recebe um Gedan-barai em baseZen-kutsu-dachi e um Chūdan-oi-zuki andando en Han-zenkutsu-dachi; como resiste mais dois Chūdan-oi-zuki, sendo o segundo com Kiai. O Kiai dá-lhe firmeza, força e resolução de parar o adversário, no Karatedō, não há meia defesa, nem meio ataque.
Desesperado o da esquerda bate com a lança da direita para esquerda de fora para dentro e vice-versa. O mestre gira em base Shikō-dachi e com dois cutelos (Gedan-shutō-barai) parte a arma. O Último imita a agressão e sente no poder das mãos em forma de faca, a devassar a mata ao redor, o poderio do Karatedō.
A luta chega ao fim. Por um instante mantém-se imóvel na última defesa (Zanshin). Volta à postura inicial de Kamae. Lembra seu mestre em sua posição de Zen e procura-o. Em vão; já não consegue vê-lo mais.
Isso é Kata... isso é Karatedō.
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